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+17
O grito "olha o rapa!" significa ruas vazias e gente correndo. Nem poderia ser diferente. Na gíria popular, rapa é o caçador de camelôs, o inimigo número um da economia informal. Porém, uma pequena variação desse sinal de alerta, já quer dizer pistas cheias de gente. Com um "p" a mais e usando as calçadas como fonte de inspiração, O Rappa faz apenas contrabando de idéias.
O esboço da banda surgiu quando Nelson Meirelles (1º baixista) se viu acompanhando o cantor Papa Winnie, em uma série de shows no Brasil, ao lado de Marcelo Lobato, Alexandre Meneses e Marcelo Yuca, uma banda formada às pressas apenas para acompanhar os jamaicanos. Currículo não faltava aos integrantes. Nelson foi produtor do Cidade Negra e de programas de rádios alternativas do Rio; Lobato tinha feito parte da ótima banda "África Gumbe"; Alexandre tocou com grupos africanos na noite de Paris; e Yuca fez parte do grupo de reggae da Baixada Fluminense, KMD-5. Animados com o resultado das apresentações, os quatro resolveram continuar juntos. Faltava, contudo, uma voz. Um anúncio colocado no "Rio Fanzine" (caderno de música do Jornal O Globo) resolveu o problema. Último de uma extensa lista de candidatos, Marcelo Falcão ganhou a vaga com nota 10 em técnica e emoção. Nascia, então "O Rappa".
Disposto a mexer em várias mercadorias do barulho — roots, dub, raggae, rap, samba... E os shows não paravam; a cada apresentação, novos fãs. Os passos seguintes foram a contratação pela Warner Music, a gravação do 1º CD e sua mixagem em Londres, a cargo do baixista e maestro Dennis Bovell, parceiro inseparável do poeta dub Linton Kwest Johnson. E assim O RAPPA chegou as lojas em 1994.
O 2º disco do grupo veio com todos os ingredientes necessários para, finalmente, colocar a banda na lista das mais tocadas e vendidas do país. Produzido pelo "mestre" Liminha com a participação de Wellington Soares na percussão e dos DJs Zé Gonçalves, Rodrigues, Paulo Futura e mudando de baixista (sai Nelson Meirelles e entra Lauro Farias) o álbum veio recheado de letras ácidas e muito suíngue.
Para compor o repertório, além das canções próprias, foi resgatada a música Vapor Barato (de Wally Salomão e Jards Macalé), gravada originalmente por Gal Costa em 1971, no auge do Tropicalismo e Ile Ayê, de Paulinho Camafeu, conhecida na voz de Gilberto Gil. Foi feita também uma versão arrasadora do clássico Hey Joe, de Jimi Hendrix. As faixas Miséria S.A., inédita do compositor carioca Pedro Luís, Pescador de Ilusões, A Feira, Tumulto e O Homem Bomba não saíram da boca da galera. RAPPA-MUNDI chegou as lojas em 1996 e tocou por 3 anos nas rádios.
Duas faces de uma mesma realidade; dois mundos distintos e correlatos. O 3º álbum de O Rappa escancara ainda mais as diferenças políticas e sociais, deixando evidente a maturidade do grupo carioca.
Passaram-se 3 anos desde RAPPA-MUNDI (que vendeu 300 mil cópias), e logo no primeiro single deste novo trabalho, fica fácil entender o que O Rappa andou fazendo neste intervalo: gritou as diferenças absurdas e buscou suavizar a vida de quem tem pouca esperança em um futuro melhor. A letra de Minha Alma (a paz que eu não quero) é clara: "Paz sem voz / Não é paz, é medo".
Das músicas à atuação junto ao grupo AfroReggae, de Vigário Geral (RJ), surgiu a idéia para o projeto "Na Palma da Mão" – Campanha de Incentivo aos Jovens de todo o Brasil. A iniciativa d´O Rappa conta com o apoio de uma das mais conceituadas ONGs brasileiras, FASE (Federação de Órgãos para a Assistência Social e Educacional) e seu Setor de Análise e Assessoria e Projetos (SAAP). No encarte do CD e nos folders distribuídos pelos shows banda pede a participação dos fãs e doações na c/c da Campanha. Os fundos arrecadados foram repassados a projetos ligados a jovens carentes, com programas educacionais, da alfabetização à conquista dos direitos individuais.
Das 12 faixas do disco, apenas Se Não Avisar o Bicho Pega (Jorge Carioca, Marcinho e Marquinhos PQD) não leva assinatura d’ O Rappa. Chico Neves acompanhou a banda durante os 4 meses de gravações no Rio e mixagem na Inglaterra. Produziu quase tudo, exceto as faixas LadoB LadoA e Na Palma da Mão, sob a responsabilidade do produtor norte-americano Bill Laswell (Bob Marley e Peter Gabriel) que encerrou o álbum com um solo dub de baixo.
Atitude não é algo que se fabrica. O artista pode algumas vezes apelar para estratégias de marketing - um roqueiro pode tocar com a guitarra nos joelhos e simular a rebeldia que se espera dele, assim como um rapper pode inventar polêmicas e posar de gangster mal-encarado. Mas a postura sincera, aquela que transparece e cativa o público, essa não há publicitário que consiga reproduzir. E essa é uma virtude que sempre caracterizou O Rappa, desde sua estréia no mercado fonográfico.
Segundo a crítica do Jornal O Globo (agosto/2001) "O Rappa é daquelas bandas que, sejam num muquifo ou numa grande casa de shows, sempre fez apresentações envolventes e memoráveis, com a mesma energia e sintonia com a platéia. Por isso um disco ao vivo da banda era mais do que esperado, já que os shows reverberam por dias em nossa cabeça. Esse CD é tudo que se espera dO Rappa em cima de um palco. Da primeira a última música ele envolve e nos faz cantar junto, refletir com as letras (desde Legião Urbana que não aparecia uma banda tão sintonizada com os corações e as mentes dos brasileiros) e realmente dá show! O grande mérito do disco foi não retocar nada. E nem poderia. O que está no CD é realmente o que acontece. Quem nunca teve chance de ver o grupo em cena não vai perder nada com o disco, a não ser as imagens do carismático vocalista Falcão. Como se não bastasse apenas a apresentacão dos clássicos, o disco traz bonus de cinco faixas inéditas realizadas em diferentes ocasiões. Tem marchinha de carnaval gravada para um especial da MTV Fica Doido Varrido de Benedito Lacerda e Frazão, até as atuais Ninguém Regula a América (com participação de Sepultura), Milagre registrada durante um ensaio e as duas resultantes do encontro com a banda inglesa Asian Dub Foundation, Instinto Coletivo e R.A.M "
Segundo o Jornal do Brasil "...a entidade samba-funk-dub-drum 'n 'bass conhecida como O Rappa interrompe sua sensacional linha evolutiva, mas dá ao público a oportunidade de relembrar o que são os seus shows - dos melhores da música brasileira nos últimos anos, por sinal".
o silêncio q precede o esporro
O Rappa volta a dizer ao que veio, com seus sons superpostos, tessituras eletrônicas, marcação pesada e letras de quem fala a língua da comunidade. Visitando praias imprevistas como a bossa nova e o samba ou acrescentando violinos, cellos e violas a seus arranjos, O SILENCIO Q PRECEDE O ESPORRO é um cd no stop, onde uma faixa leva a uma vinheta, a uma rica tessitura musical, marca registrada da banda na estrada há dez anos. O Rappa mantém sua marca d´água impressa a ferro e fogo na alma da juventude brasileira, pela sua pegada a todo vapor, pelo seu reggae hardcore de alta voltagem.
Em "O silêncio q precede o esporro", O Rappa já sai batendo pesado com Reza Vela uma música com muitas texturas sonoras para falar da religiosidade e do brinquedo, da reza e do balão. O que surge dessa alquimia é um São Jorge a jato, turbinado, com potência de mil dragões. O Salto é uma canção quase bíblica, onde o tom épico é realçado pelo arranjo de cordas para violinos celestiais que cruzam com sinais eletrônicos lisérgicos que faz você acreditar que a vida vai muito além da vã filosofia. "E regaram as flores do deserto / e regaram as flores com chuvas de insetos" diz o refrão profético. Ela ainda volta ao final do cd para ficar bailando para sempre nos arquivos da memória. Linha Vermelha é uma bossa nova made in Rio, século XXI. Falcão no violão, fala na vida como ela é hoje em dia em nossas ruas e avenidas, linhas vermelhas e amarelas, onde o tráfico manda e desmanda, mandando fechar e abrir as artérias da cidade ao bel prazer. Uma bossa novíssima onde "o barquinho" naufragou diante da exclusão social que cultiva a violência. Em Obvio, a preciosa presença da rapper argentina Malena D’Alessio, fazendo com O Rappa uma embolada inflamável, com a língua nos dentes. O que vai dar o que falar desse "silêncio" é o samba Maneiras onde O Rappa se encontra com o mestre da cadência da alma nacional, Zeca Pagodinho. Um samba legal a nos cobrir com carinho, mais um namoro do samba com a sensibilidade eletrônica da juventude, onde a magia do canto, das divisões, da malemolencia, se encontra com a urgência de um rapper. Bendito O Rappa e suas antenas para ir buscar na riquíssima música brasileira, sucessos imortais e dar-lhes uma injeção de vitalidade. Assim foi com Vapor Barato. Assim é com Deus lhe Pague. Essa obra prima da fina ironia de Chico Buarque cai como uma luva no repertório, com humor amargo, percepção trágica que só nos resta agradecer a Deus e sair de fininho. Mas a voz que vara o cd como uma gargalhada cheia de dentes é a de Waly Salomão, parceiro de vida, de toques, de ondas, de chinfra d´ O Rappa de longa data. O poeta tinha um faro apurado para a sofisticação do povo, do que é gerado nos morros, nas periferias. Wally soube como outro poeta, Oswald de Andrade, que a língua brasileira é formada "pela contribuição milionária de todos os erros" e assim amou todas as gírias, todas as giras, e é amado com a alma inteira de quem as cria.
O SILENCIO Q PRECEDE O ESPORRO é o grande caldeirão alquímico desse início de milênio onde o "bater cabeça" é muito mais que um jeito heavy metal de dançar. É também o sinal de respeito e a sintonia com o que tem valor por todos os séculos dos séculos. Amém!
Fonte: ORappa.com