Se existe no Brasil alguém não só com estrada, mas com bagagem, esse alguém é Ed Motta. Estrada porque o cantor já está indo para seu 22° ano de carreira e lançando "Piquenique" seu décimo disco, que traz de volta a sonoridade pop/funk e soul que costuma agradar seu público brasileiro.

Sim, porque Ed também gosta de lançar álbuns com uma pegada mais jazzística. São esses discos, geralmente ignorados por aqui, que lhe abriram as portas do mercado exterior e lhe garantem turnês pela Europa, EUA e Japão.

A bagagem vem do fato de Ed ao contrário de muitos de seus colegas, ter um interesse profundo e genuíno por música - a discoteca dele composta por vinis, tem mais de 13 mil exemplares pelo que se consta e quem o acompanha pelo Twitter sabe que esses discos são de todos os estilos imagináveis e inimagináveis (Jazz escandinavo, rock psicodélico sessentista e a cantora ultra-cult Judee Sill foram indicados em postagens recentes) e feitos todos antes dos anos 90, já que ele basicamente despreza a produção musical dos últimos vinte anos.

Nessa conversa Ed Motta fala sobre o disco novo, as diferenças do público brasileiro para o europeu e, claro, conta quais foram os últimos discos que comprou.

O "Piquenique" é um disco mais pop enquanto o "Chapter 9" do ano passado era todo cantado em inglês. Você primeiro pensa no tipo de álbum que vai fazer, ou vai compondo e só depois junta as faixas que combinam mais?

Eu vou compondo e vendo o que encaixa, o exemplo disso é que duas músicas desse novo disco, "Piquenique" e "A Turma Da Pilantragem", faziam parte do "Chapter 9", mas eu achei que elas não tinham nada a ver com o disco e vi que precisava esperar para ter uma quantidade de canções pop assim para que eu gravasse um disco na onda dessas músicas. Da mesma forma eu tenho outras músicas guardadas para outros projetos.

Como você vê seu público? Existem dois tipos de fãs do seu trabalho, com uns que gostam do cantor de hits pop e outros do compositor mais sofisticado? Ou eles se misturam?

Isso acabou se criando com esses discos mais jazzísticos. Eu vejo pela internet que muita gente prefere os meus álbuns instrumentais assim como o público que eu tenho fora do Brasil, afinal foram com eles que eu saí do país pela primeira vez para fazer turnê. E tem também a turma que prefere o trabalho pop. Eu acho que no Brasil o número que prefere o lado pop é bem maior.

Queria que você falasse sobre "A Turma da Pilantragem" do disco novo. O título nos remete ao Simonal não?

Ela não tinha nada a ver com o Simonal. A ideia dela era falar dos fundadores da pilantragem, o Nonato Buzar e o Carlos Imperial. Quando eu fiz a letra com a Edna a minha mulher, e a gente nunca tinha feito isso antes, foi depois de um jantar, brincando. Eu gostei do resultado e começamos a fazer outras coisas com outras temáticas. Mas "A Turma Da Pilantragem" já surgiu como título na primeira frase “é essa pilantragem que eu quero com você”, essa coisa com aquele erotismo dos anos 60...

E a participação da Maria Rita, como rolou?

Quando eu terminei a letra eu quis fazer um dueto. Quando eu fiz, na época do “Chapter 9”, eu nem pensava nisso, mas quando a letra ficou pronta eu vi que queria. Aí pensei numa voz contralto, próxima do timbre da minha voz e imediatamente me lembrei da Maria Rita.


A Rita Lee fez a letra de Nefertite, fale dessa parceria

Sim, é a nossa terceira parceria depois de "Fora Da Lei" e "Colombina". Eu fico muito honrado de ser um dos raros parceiros da Rita Lee. Ela começou com o "Fora Da Lei" . Foi o Liminha (produtor consagrado e ex-baixista dos Mutantes) que nos apresentou. Eu tento não incomodar muito ela (risos), mas nós já fizemos essas três músicas.


Você é um artista um tanto isolado dentro da nossa música, já que seu trabalho não se encaixa em nenhum gênero específico. Tem algum artista brasileiro com quem você consiga se identificar? Alguém que esteja na mesma sintonia?

Não diria sozinho, mas tentando fazer algo único, especial. Quero que a minha barraca venda coisas únicas... que as pessoas digam que tal coisa é só nessa barraca que tem (risos).


Você também é famoso por seus hobbies que se tornam verdadeiras obsessões. Vamos nos ater ao Ed colecionador de discos. Você está sempre ouvindo discos dos mais diferentes gêneros. Isso tudo que você ouve entra nas suas composições ou tem coisa que mesmo escutando muito não se reflete na sua música?

O que eu gosto de ouvir acaba de alguma forma influenciando o que eu faço. (Mesmo que) em soluções, em coisas pequenas. Às vezes é um timbre de uma guitarra distorcida de um disco psicodélico que não tem nada a ver com o que estou fazendo. Eu estou sempre aprendendo com os discos o tempo inteiro.


Ouvindo o disco novo e quase toda sua obra, nota-se que se tem uma banda que você gosta é o Steely Dan. Sempre encontra-se algo deles nos seus discos, tanto nos mais pop quanto nos mais experimentais. Queria que você falasse sobre a paixão que você tem pela banda.

Eu sou muito influenciado por eles e aprendi muito de música ouvindo os discos. Eu tenho uma coleção enorme, e dificilmente repito um disco durante o mês. Eu escuto discos diferentes o tempo inteiro e acho que o único artista a quem eu retorno é o Steely Dan. Eles são a minha grande escola, o grande momento da música pop.


Já que você está sempre comprando discos quais são as últimas descobertas e as paixões mais recentes?


Eu compro muita cosia pela internet. Ontem chegaram 13 LPs pra mim. Um do Ennio Morricone (compositor de italiano, famoso pelas trilhas de filmes como "Três Homens em Conflito " e "Cinema Paradiso " ), um de um baterista chamado Steve Reid e um disco de um canadense chamado Marc Jordan, chamado "Mannequin ", esse inclusive por coincidência é feito com toda a turma que fez o “AJA” do Steely Dan.

E você só compra vinil?

Só vinil, não compro CD há muitos anos.

E do MP3? O que você acha?

Mp3 direto. Não pra ouvir em casa, mas nas viagens. Essa é a grande revolução. eu poder andar com uma coleção de discos comigo. Eu já converti mais de 5 mil discos para MP3.



E de artistas novos? Você ouve algo?

Ouvindo não mesmo (risos). Pode até gente que eu ache bacana ou legal, mas ouvir não dá tempo. Pô, chegando um disco do Ennio Morricone na minha casa não vai dar tempo de ouvir coisa nova, né (risos)? Eu já estou nessa desde a década de 80. Eu parei de acompanhar música nova no início dos anos 90, quando começou aquela de grunge e Nirvana. Eu falei "porra, deu tudo errado". Porque o lance todo dos punks e dos pós-punks tudo isso eu acompanhei. Eu tenho disco desse pessoal todo, Cure, Echo and the Bunnymen e os obscuros todos. Não gosto deles que nem do Jeff Beck, mas acho interessante (risos). Eu acho que tá faltando espírito na música , não digo técnica porque técnica hoje em dia acho que as pessoa até tem mais do que antes, mas espírito mesmo.

E como anda a carreira no exterior?

O lugar que une as duas coisas é aqui na Argentina. Lá é o único lugar onde eu toco um hit soul, funk, pop e em seguida toco um tema instrumental e as pessoas gostam do mesmo jeito. A Argentina tem essa tradição de uma cultura mais europeia, faz mais frio lá. Fez frio já faz pensar né? (risos)

E na Europa? Você toca as coisas mais pop nos shows por lá?

Não, nunca. Não que eu tenha nada contra. É que elas não gostam. É o mesmo que acontece aqui com os temas de jazz. Aliás esse gosto mais popularizado, não se dá apenas no público, mas na imprensa também. Todas as críticas que eu vi do meu disco foram assim: "Finalmente o Ed voltou a fazer aquilo que ele tanto sabe fazer bem".

E a sua relação com a internet? Você posta bastante no Twitter pelo que se pode ver.

Sim eu tenho usado o Twitter como uma ferramenta pra me ajudar aqui nas coisas.

Você conversa com seus fãs pela rede?

Sim, eu respondo aos fãs, falo com eles é uma coisa bem legal.

Você já está com mais de 20 anos de carreira. Quando começou lá nos anos 80 como se imaginava todo esse tempo depois?

Eu só achei que eu fosse ganhar mais dinheiro (risos). Eu achei que fosse ganhar mais grana nesses vinte anos, que fosse ficar rico e não fiquei. Essa foi a única surpresa que eu tive.

Vamos falar do "Entre e Ouça", seu disco de 1992, que na época causou estranheza.

Sim, eu deixei de ficar rico por causa daquele disco. Por causa daquele disco em que eu fui me meter a engraçadinho de fazer e gostar de música. Porque você sabe que isso não pode existir né? É completamente errado. É igual o traficante que se vicia ou a puta que goza. Eu sou uma puta que goza (risos).

Quando sai em turnê você é daqueles que brincam com o repertório ou dos que escolhem um set list e vai com ele até o fim?

Não, quando eu escolho um set list ele vai até o final da turnê.

Você vai excursionar com esse disco? Já sabe como serão os shows?

Eu pretendo sair pelo Brasil, mas não tenho nada programado. O repertório é o disco novo e os sucessos antigos. Tá um show bem dançante.

Por Leandro Saueia