Lee Perry, ou Lee "Scratch" Perry, o influente astro e produtor da música jamaicana, morreu neste domingo (29) aos 85 anos. O também cantor estava internado em um hospital na Jamaica e a causa da morte não foi divulgada.

Rainford Hugh Perry teve uma carreira longa e variada e seguiu produzindo até o fim de sua vida - sua página no Discogs cita mais de 400 álbuns creditados a ele. Sua principal contribuição para a música do século 20 foi ter ajudado a transformar o estúdio em um instrumento musical, algo que, incrivelmente, ele conseguiu atingir fazendo uso de poucos, e nada sofisticados, equipamentos.



Perry pode não ter criado o dub, a honra cabe a King Tubby, mas foi ele quem elevou esse estilo de produção a um novo patamar. O dub consiste em remixar uma faixa já existente colocando mais ênfase no baixo e bateria - com o vocal sendo usado apenas para pontuar certos trechos da faixa, resultando em uma música psicodélica, estimulante e hipnótica.

O auge de sua carreira se deu na década de 70. Como explica o jornalista musical, e grande entusiasta da música jamaicana, Sérgio Martins: "Ele foi fundamental pra criação do reggae. O Perry moldou esse "grave" do reggae, do baixo mais pesado. Embora não tenha sido o criador do dub, foi também quem melhor usou essas técnicas."

Lee Perry



Há também a sua participação fundamental na música de Bob Marley - Lee produziu os dois discos jamaicanos dos Wailers imediatamente feitos antes deles assinarem com a Island, na Inglaterra , e partirem para o sucesso mundial. "Os Wailers eram uma banda de ska e rocksteady, influenciada pelo soul norte-americano. A partir da experiência que eles têm com o Perry eles começam a desenvolver o reggae. E o Marley também é o cara que "surrupia" a sessão rítmica dele, ao levar o Aston Family Man e o Carlton Barret para tocar com os Wailers.", relembra o jornalista.




As melhores gravações dele foram feitas no mítico estúdio Black Ark, construído em 1973 e casa de dezenas e dezenas gravações que se tornaram clássicas. A fase dourada terminou de maneira trágica, com o local se deteriorando até ter sido consumido por um incêndio, que não se sabe se foi acidental ou provocado - Perry dizia ter incendiado a construção em um acesso de fúria. Em outra ocasião o motivo dado teria sido a crença de que o local estava possuído pelo demônio.

Foi ali, no Black Arc, que ele gravou a sua grande obra-prima, o álbum "Super Ape", creditado aos Upsetters, de 1976. Além desse álbum, para conhecê-lo um pouco mais profundamente, vale escutar o box-set "ARKOLOGY", lançado em 1996 que resume a história de produtor em três CDs.




Martins indica também, o CD "Scratch Attack", que reúne seus álbuns "Scratch & Company" e "Blackboard Jungle Dub", além de "War Ina Babylon" do cantor Max Romeo, e "Time Bomb X De Devil Dead", esse de uma fase posterior, lançado em 1987 (e que teve edição brasileira em vinil à época).

"Além, claro, do single "Complete Control", que ele produziu para o The Clash" (em uma época em que as cenas britânicas do punk e do reggae estavam em constante contato). O quarteto chamou a atenção do jamaicano depois de ter feito uma cover de "Police And Thieves", o compacto de Junior Murvin, que Perry compôs com o cantor e produziu.



A partir dos anos 90, Lee Perry tornou-se uma figura mítica e também uma espécie de personagem, quando passou a ser reverenciado pelas novas gerações que adoravam aquele senhor amalucado usando chapéu decorado com CDs e roupas pra lá de extravagantes.

A impressão, ao se ler suas entrevistas ou vê-lo em programas televisivos, era a de alguém que não gozava totalmente de suas faculdades mentais, ainda que se falasse também que ele era uma pessoa perfeitamente equilibrada, mas que fazia esse papel para os jornalistas, por entender que ela fazia bem na criação de sua persona - uma história curiosa sobre esse lado dele se deu em 2002 quando, há quase exatos 19 anos, não embarcou no voo que o traria para se apresentar em São Paulo, sob a alegação de que o bilhete estava amaldiçoado - ele finalmente se apresentou no país em 2007, e voltaria em outras ocasiões.