Joey Molland é literalmente um sobrevivente. Afinal dos quatro membros originais do Badfinger, só ele ainda está aqui para contar história. Não à toa eles são considerados um dos grupos mais trágicos de toda a história do rock.
Surgido no fim dos anos 60, o Badfinger conseguiu sucesso com suas canções melódicas e diretas que pareciam ter desaparecido após o fim dos Beatles. A banda, diga-se, sempre esteve ligada ao quarteto de Liverpool.
O Badfinger emplacou uma série de hits em seus primeiros anos, mas todos foram eclipsados por Without You, uma das músicas mais executadas da história. Se a versão original é pouco conhecida, até hoje as covers de Harry Nilsson, e a posterior feita pora Mariah Carey, nunca deixaram de tocar nas rádios .
Por trás desses êxitos, muita tristeza rodeia a biografia da banda: roubo de dinheiro por parte de empresários, processos, problemas com gravadoras e o suicídio de dois integrantes. Pete Ham e Tom Evans (além do baterista Mike Gibbins que morreu 2005 de causas naturais, com apenas 56 anos), são assuntos que os assombram.
O guitarrista Joey Molland. que se apresenta usando o nome da banda com músicos contratados, esteve recentemente no Brasil para dois shows. Em clima de festa (era seu 61° aniversário) e pouco antes da segunda apresentação ele recebeu o Vagalume no camarim do Ginásio do Ibirapuera para um longo papo.
Confira:
Os primeiros anos:
Antes de se juntar ao Badfinger (ou The Iveys como ainda eram chamados), Molland tocou com os Merseys e na banda do ex-baterista dos Walker Brothers: Gary Walker and the Rain. Em 1969 ele foi chamado para fazer um teste para guitarrista do futuro Badfinger e passou.
É impossível falar da banda sem mencionar os Beatles. Assim que eels surgem na conversa, Molland sorri e conta sobre a primeira vez que se encontrou com um deles.
"O primeiro que conheci foi o George lá na Apple, quando, Come And Get It já estava nas paradas. Ele nos cumprimentou pelo sucesso da música e disse: 'puxa, a música estourou em todo o mundo, parabéns, vocês vão ter de tocar essa música para o resto de suas vidas' (risos)"
Molland não tocou no primeiro sucesso do grupo, mas conta a história da canção, um presente de Paul McCartney: "Ela foi escrita para o filme "The Magic Christian" (no Brasil Um Beatle no Paraíso). O que aconteceu foi que o Ron Griffths, o baixista original, reclamou em uma entrevista que apesar deles estarem no selo dos Beatles os Iveys não estavam conseguindo sucesso algum. Aí o Paul McCartney chegou meio bravo com uma fita na mão e disse para a banda aprender aquela música, que ele iria produzi-la e o single iria ser o primeiro hit do grupo. Realmente ele estava certo. A música estourou.
O sucesso
Joey se irrita quando pergintado se como o George Harrison ele também precisava brigar para emplacar suas músicas nos disco da banda, já que a maioria das canções eram do Pete Ham ou Tom Evans. "Eu escrevi pelo menos metade das músicas da banda. O Tommy fez uns 10%, Pete escreveu uns 45% e eu os 55% restantes, vai lá e conta!".
Realmente ele não está de todo errado (tirando as porcentagens exageradas), mas é inegável que as músicas mais conhecidas são quase todas de Pete Ham. "Todo mundo fala que Tom e Pete eram parceiros. Outra grande mentira. A canção pela qual eles são famosos ("Without You") não foi escrita em conjunto. O Tom fez uma parte, o Pete outra e nós juntamos tudo no estúdio. O Badfinger não era uma banda com um líder e outros três. Todos compunhamos e fazíamos a voz principal".
Ele volta a se animar quando perguntado sobre o início dos anos 70, e discos como "No Dice".
"Aquela foi uma época legal porque não tínhamos preocupações. A gente não tinha dinheiro algum, cada um de nós tirava algo como 40 dólares por semana. Nós vivíamos juntos, tínhamos uma van com nosso equipamento e era isso. Mas, pô a gente estava gravando em Abbey Road."
O Badfinger acompanhou George Harrison no concerto para Bangladesh, pioneiro entre os shows beneficentes. Além de Harrison, o show contou com Ringo Starr e Bob Dylan entre outros. Joey lembra que eles eram os únicos artistas ali que estavam com uma música na parada, a canção "Baby Blue".
Então por que vocês não tocaram essa no show?
"Sabe que sempre me perguntam isso. O fato é que não nos víamos como rockstars ou pessoas de sucesso. A gente estava andando com os Beatles. Eles eram estrelas, nós éramos só uma bandinha", entende-se então que eles não se achavam dignos de tocar uma canção própria no meio de todos aqueles monstros.
Os músicos do Badfinger tocaram também em "All things must pass", o primeiro disco de George Harrison como ex-Beatle. "Ele nos chamou e disse que tinha uma música que se chamava "My Sweet Lord" e que era mais ou menos assim (cantarola). O difícil mesmo era esquecer que se estava na frente de um Beatle e conseguir focar no trabalho, já que a gente tinha de aprender a canção e tocá-la logo depois".
E o Phil Spector (o polêmico produtor do disco) como era?
"O Phil vivia completamente bêbado, sempre estava estirado lá no chão. Em compensação ele chamava você lá pra sala de controle, tocava uma primeira mixagem da música e você caía pra trás. Claro que estávamos em Abbey Road, mas o cara era um completo gênio".
Anos depois foi a vez de trabalhar com John Lennon no álbum Imagine. "Eu e o Tommy tocamos em duas faixas, I Don't Want To Be A Soldier e Jealous Guy.
"O telefone tocou e um cara perguntou se tínhamos algo pra fazer de noite, é que o John Lennon queria que tocássemos alguns violões para ele".
Ascensão
"Straight Up" de 1971 é considerado o grande disco do grupo. George Harrison assumiu a produção mas abandonou o projeto para cuidar do Concerto para Bangladesh. Ainda assim ele tinha muito a ensinar: "O George era ótimo, um cara sem nenhuma arrogância que nos educou muito. Ele tocava junto com a gente e nos ensinou a fundir as nossas vozes. Passamos horas fazendo isso".
Em 1973 o contrato com a Apple se encerrou. "O nosso empresário foi falar com o Allen Klein (o empresário que cuidava do espólio dos Beatles) que queria fazer a gente assinar um contrato de merda. Então nosso manager foi na Warner bros. que nos ofereceu não só uma fortuna como a possibilidade de lançarmos álbuns solo e produzirmos outros artistas. Claro que nós assinamos".
Em 1974 a banda lançou seu primeiro disco pelo novo selo, só que poucos meses antes a Apple soltou o álbum Ass, com canções que haviam sobrado de sessões anteriores. De repente havia dois novos discos do grupo nas lojas, o que matou ambos lançamentos
Isso foi o de menos. Logo depois eles descobriram que alguns milhares de dólares haviam sumido da conta do grupo. O que se sabe é que a Warner depositou 100 mil dólares em uma conta do empresário Stan Polley. A conta poderia ser acessada pelos músicos e pela editora da Warner. Ao invés disso, o empresário sumiu com a grana e não deu satisfação alguma. Sem que a banda soubesse, a gravadora ameçou entrar com um processo.
Tudo isso no momento em que "Wish you were Here", o novo LP, era lançado. "O disco saiu e estava vendendo muito bem, aí a Warner o tirou das lojas e processou a banda pelo dinheiro que havia sumido. Eles sabiam que a gente não tinha roubado nada. Eu tenho um memorando dizendo que eles iriam pagar todos os nossos direitos, mas eles nunca o fizeram".
Queda
Sem dinheiro as brigas começaram. Pete Ham deixou a banda (aparentemente de saco cheio das interferências da mulher de Molland no gerenciamento do grupo), mas acabou convencido a voltar. Pouco depois quem não agüentou o tranco foi o próprio Molland que puxou o barco. O trio restante (acrescido de um tecladista) gravou Headfirst, que, foi rejeitado e só foi ser lançado no ano 2000.
Calejado, Molland evita comentar a sua saída, diz apenas que muitos problemas aconteceram e que não vai entrar em detalhes. "Nessa época Pete já estava no fim de sua jornada, ele começou a se queimar com cigarros e estava bebendo que nem uma esponja. Um cenário horrível. Foi quando os deixei. Depois eles venderam todo meu equipamento. Eu vim pros Estados Unidos com 700 libras no bolso. Depois de todos os sucessos, shows e discos, isso era tudo o que me restava".
Mais fundo ainda
Joey e esposa foram para Los Angeles onde ficaram no apartamento de um amigo. "Aí um dia o telefone toca e era da Warner Brothers. Estavam ligando para me avisar que o Pete tinha morrido".
Prestes a completar 28 anos Pete Ham acabou vencido pela depressão e se enforcou. Para Molland, o fato de sua obsessão em criar outro megasucesso, que nunca aconteceu, contribuiu para o desfecho triste.
"A Warner mandou o dinheiro para que eu e minha esposa fôssemos ao funeral em Londres. A Rolling Stone foi até o hotel e fez um artigo enorme sobre o que tinha acontecido com a gente. E eles não publicaram a matéria por medo de serem processados!!!".
Com a morte de Pete tudo parecia acabado de vez. "Eu fui trabalhar como carpinteiro, fiz o que podia".
O Badfinger não rendia nada?
"Não, ficamos 11 anos sem receber. Os empresários, em quem Pete confiava cegamente, roubaram tudo não deixaram um único centavo. Outras coisas rolaram, incluindo membros da banda que não foram muito legais também. Mas prefiro não entrar em maiores detalhes. São coisas que só eu sei, mas como sou o único que está vivo prefiro guardar".
Em 1976 ,Joey monta o Natural Gas que abre os shows da turnê "Comes Alive" de Peter Frampton.
Em 1979 ele Tom Evans voltaram com o Badfinger. Os resultados não foram dos melhores.
"A gente estava ok. Mas não tínhamos sequer um empresário. E também estávamos nos chapando muito, bebendo, cheirando cocaína... caramba, todo mundo fica louco de vez em quando".
No início dos anos 80 tanto Molland quanto Evans faziam shows como Badfinger, o que, óbvio, causou muita briga e confusão. Em novembro de 1983, Molland discutiu via telefone com Evans querendo direitos sobre "Without You". Tommy estava com os nervos à flor da pele após ter assinado um contrato leonino com um empresário americano.
Sem dinheiro para as necessidades básicas e um processo de milhões de dólares nas costas o peso foi demais e ele seguiu os passos de Ham, matando-se assustadoramente da mesma forma que seu antigo colega.
Só em 1985 os músicos e familiares conseguiram resgatar o dinheiro do grupo.
O legado
Mesmo com tanta tragédia, o legado do Badfinger é considerável. Os únicos artistas da Apple fora os Beatles que ainda vendem discos são eles. Sem o grupo o gênero que foi batizado de powerpop não existiria e a música do grupo segue conquistando as novas gerações.
Você acha que a banda estaria junta caso as tragédias não tivessem ocorrido?
"Por que não? Tudo que uma banda precisa é acreditar nela mesma. Quem vai lá é faz o dinheiro é o grupo. Todos os outros são inúteis sem eles. Pete parou de acreditar nisso. O Tommy acreditava mas também tinha algumas opiniões em comum com o Pete. Essa é uma história triste que mostra o que acontece se você perde as suas crenças iniciais. A sua família é a sua família e todos os outros não são. Essa é a regra número 1. Se você desiste disso, tchau.
"Foi algo tão estúpido... mas eu vejo que deixamos grandes músicas e uma grande história, que ilustra bem o que acontece quando você deixa de acreditar em você, nos seus amigos e na sua banda. Quanto a nossa música, essa ainda sobrevive", conclui o guitarrista.