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Depois de tudo que foi feito ou dito sem sucesso por artistas, partidos, intelectuais, governantes e movimentos sociais, fica evidente após ouvir esse CD que a política para um Brasil em que se tem fé, deve ser primeiro uma política de mudança de comportamento individual; de ótima vontade com o outro. Temos que nos transformar em gente boa para poder mudar o sistema de relações desse país. Qualquer bundão pobre ou rico pode virar pessoa honesta, solidária e generosa, ou seja, ser politicamente inteligente. Aí, sim, o coletivo anda. Se parar o vacilo, rever o que está errado, o bagulho floresce, pois, a bem da verdade, temos, como povo, poucas virtudes para o mal...

Ainda hoje há um silêncio obrigatório a ser cumprido, porque mesmo com a terrível desigualdade social, mesmo com a criminosa distribuição de renda, mesmo com a continuidade histórica de crimes contra a nação e contra seus cidadãos, ainda há infelizes que pisam no pescoço dos familiares, amigos e compatriotas pra ser o bom da parada, seja o otário artista ou não. E roubam, criam a população de rua, sonegam, exploram, escravizam, matam por causa de bem, seja ele material ou que inspire poder de qualquer sorte.

A levada brasileira contribuiu para escurecer a pista e deixar as traçantes avermelharem nossos olhos da cabeça aos pés. A vida vivida na raiva, a fome feito brincadeira e o trabalho que não traz coisa de se bem viver.

Tem som de bom tom e alto nessas letras! Muita música na imprensa, na mídia, na publicidade, nos governos, nos latifundiários, nas brancas bem nascidas, nos que andam em pé no trem, nos arquivos da justiça, na carteira assassinada de trabalho, nessa gente de lá que não se pode ver porque o comando é outro, na idade escolar destruída pelo deus calibre doze que é irmão de sangue do deus dinheiro, nas elites que insistem em não querer pagar o preço de enriquecimentos ilícitos, elites que foram sempre vistas como exploradoras, corporativistas, escravistas, corruptas, agora são também medrosas, vivem enjauladas como bandidos pobres -outra raça de otário-. Muito som nos narcodeputados, nas armas em vendas de esquina, nos que acham que não têm nada com isso e se gastam em pais-nossos e ave-marias pra que o menino da esquina não ultrapasse a linha e venha cheirar cola na cozinha ou no altar de suas casas. Tem mais música aí também na gente de Antônio Carlos Magalhães, de Fernandinho Beira-Mar, nos majoritários do cadáver de Tim Lopes e da prisão de seu matador.
A pátria é passada em revista no cheiro de pneu ardendo num corpo de lágrimas que viram vapor e se misturam à fumaça que sobe ao céu. Céu de um país de chão de cemitérios clandestinos e de sem-terras.

A dor e a marra das elites pelos seus crimes devem crescer pra romper peito e virar atitude de glória e a cicatriz da miséria ser também coisa de transformação.

Deixe de ser vacilão, abomine essa velha mania de querer se dar bem em tudo, seja educado, dê uma apressada no perdão, largue mão de dar mancada no jogo da História. Citando Margaret Castanheiro, “os acertos foram incertos, mas os erros, exatos”. Terá que ter muitos verbos a flor da pele para ter mais exatidão nos acertos e celebrar o trabalho a ser feito para a gente viver em paz num futuro que persiste, que se quer e em que se tem fé. Babaca!

Paulo Lins
Janeiro 2005

Fonte: Site Oficial