Dorotéia: Como é que você se enferrujou se a água todinha foi-se embora? Cabra-De-Lata: Foi de tanto chorar. Mamulengo: Chorar? Chorar por que, home? Cabra-De-Lata: Por ver tanta desgraça e não poder fazer nada. Dorotéia: Como é que alguém chora tanto assim?
Cabra-De-Lata Comé que não chora, menina Diante da história que eu vou lhe contar? Já peço licença e desculpa Por tanta feiura que vou relembrar, viu?
Já faz tempo, mas um dia o povo Já foi bem feliz aqui nesse sertão E os cabinhas corriam e brincavam E pra cima e pra baixo ao som do baião
Cabra-De-Lata E Mamulengo Mas então a água foi-se embora E deixou um rastro de dor pelo chão
Comé que não chora, menina Vendo as criancinha tudo emagrecer, hein? Comé que não chora, menina Assistindo os bicho de sede morrer?
As árvores ressecando O solo inteiro rachando O povo se bandeando E eu espiando e chorando
Todos Lata não tem tumtum não Lata não tem tumtum não
Cabra-De-Lata Pois se a gente não chora pra fora Menina, por dentro vai se enferrujar Mas a coisa aqui foi tão séria Que não deu pra nada eu chorar um mar, ai
Cabra-De-Lata: A última a ir-se embora, foi uma mulher com seu filho nas mãos, tão triste, mirrado, sem vida. E ela disse uma coisa que eu não esqueço não:
Mulher Nesse mundo, é milhó ser de lata No peito um buraco, pra que coração?
Cabra-De-Lata Comé que eu não ia chorar? Comé que eu não ia chorar?