É fato que a melancolia é força inspiradora de grandes discos e canções. E muita gente fez carreira cantando sobre o lado mais triste e soturno da vida (ou se fazendo passar por desesperado, mas isso é outra história). Mas existem alguns casos em que a coisa vai um passo além. Às vezes a melancolia se transforma em uma séria depressão, muitas vezes culminando com internações, ou mesmo suicídios. Hoje lembraremos de cinco discos extremamente problemáticos. A lista obviamente está longe de ser completa (ficaram de fora discos dos Smiths e Morrissey, Joy Division ou Radiohead e clássicos do gênero como "Songs of Love and Hate" de Leonard Cohen, "In Utero" do Nirvana, "The Marble Index" da Nico ou "Music for a New Society" de John Cale. No Brasil também poderíamos lembrar desde os sambas de Nelson Cavaquinho, dos discos de Caetano Veloso gravados no exílio londrino e de "Loki?" de Arnaldo Baptista - esse talvez seja o mais doloroso disco de perda e arrependimento de nossa música. Mas esses cinco aqui dão conta do recado. Até porque convenhamos, esse é o tipo de música pra se ouvir em doses homeopáticas.

Lou Reed
Lou Reed Berlin
Berlin - Lou Reed - 1973 - Imagine estar há tempos lutando para conseguir ser ouvido efinalmente o seu dia chega. O que você faria? Provavelmente mais canções parecidas com as que emplacaram não? Pois não foi isso que Lou Reed fez, ao lançar esse disco logo depois de "Transformer" tê-lo tornado famoso após anos de fracasso comercial. Reed preferiu fazer um disco conceitual sobre um casal viciado em drogas em um relacionamento sem esperança. Uma lenda, negada posteriormente, dizia que os choros ouvidos em The Kids foram conseguidos com o produtor Bob Ezrin dizendo para seus filhos que a mãe deles havia morrido O resultado foi um fracasso de público e crítica que com o passar dos anos virou clássico.
Ápice da depressão: "Esse é o quarto onde ela pegou a navalha e cortou seus pulsos naquela noite e eu digo oh, que sensação" em The Bed.

Big Star
Big Star Third/Sister Lovers
Third - Big Star - 1978 - O Big Star tinha tudo para ser um dos maiores sucessos dos anos 70. Os discos pessimamente distribuídos e as brigas constantes impediram que o destino se cumprisse. Logo após a gravação do primeiro álbum Chris Bell cansou de discutir com Alex Chilton e pulou fora (ele morreria em um acidente de carro anos depois). Pouco depois quem saiu foi o baxista Andy Hummel (morto há dois meses). Assim, apenas Chilton e baterista Jody Stephens sobraram para concluir o que seria o terceiro álbum do grupo. "Third" é um dos discos doentios já feitos, gravado por um Chilton em frangalhos. O trabalho só saiu quando a banda não mais existia. Alex Chilton morreu em 17 de março desse ano três dias antes de um show da banda, que voltou com nova formação nos anos 90.
Ápice da depressão: "Você é uma mentira de olhos tristes/Você é um holocausto" em Holocaust.

The Cure
The Cure Pornography
Pornography - The Cure 1982 - A parte final da trilogia "do desespero" para muitos esse é o grande disco da banda. Ainda que sua audição esteja longe de ser prazeirosa (a não ser que você seja gótico em último extremo, suicida ou sadomasoquista) não se pode negar a densidade de "Pornography", um disco que deixa explícito que a sua gravação foi pra lá de atormentada. O líder Robert Smith disse que passava por forte estresse mental e emocional. Um problema amplificado pelo uso constante de alucinógenos. Apesar de todo esse clima soturno, o álbum foi bem nas paradas inglesas e serviu como catarse para Smith. No ano seguinte a banda deu uma guinada para uma música mais simples. Desde então eles se equilibram entre lançamentos "pop" e "densos".
Ápice da depressão:"Não importa se todos nós morreremos" em One Hundred Years (a primeira frase ouvida no disco!)

Manic Street Preachers
Manic Street Preachers The Holy Bible
The Holy Bible - Manic Street Preachers - 1994 - Surgidos no início dos anos 90 os "Manics" tomaram de assalto a imprensa inglesa. Os responsáveis pelas declarações (e letras politizadas e intelectuais) eram o baixista Nicky Wire e um dublê de guitarrista problemático chamado Richey Edwards. "Holy Bible" foi o grande manifesto desse maníaco-depressivo e auto-flagelador. Em 4st. 7lbs. ele fala sobre sua anorexia por exemplo. O curisoso é que o som que acompanha esse discurso fica entre o punk e o hard-rock dos Guns'n'Roses. Logo após o lançamento do disco Edwards simplesmente sumiu e seu corpo nunca foi achado. A banda seguiu em frente com uma postura mais sóbria. Eles acabaram de lançar mais um belo disco.
Ápice da depressão: "Arranho minha perna com uma lâmina enferrujada/Infelizmente ela cicatriza" em Die In The Summertime.

Legião Urbana
Legião Urbana A Tempestade
A Tempestade - Legião Urbana - 1996 - O último disco lançado com Renato Russo vivo foi chamado de um tratado sobre a morte. A descrição é perfeita para um álbum com raros momentos de alívio. Gravado com o cantor já seriamente debilitado por causa da AIDS, "A Tempestade" teve que ser gravado de forma gradual com o vocalista colocando sua voz quando sua condição permitia que ele fosse ao estúdio. No disco Russo alterna seu discurso. Entre o raivoso, o melancólico e o romântico, enfim em Esperando por Mim ele se mostra resignado e em aparente paz. Renato morreu três semanas após o lançamento do disco. Os fãs que ouviram o disco antes de sua morte estranharam a falta das mensagens positivas e canções para cantar junto. Logo depois eles entenderiam o porquê.
Ápice da depressão - "Vamos falar de pesticidas... De doenças incuráveis/Vamos falar de sua vida""