Há exatos vinte anos a música brasileira perdia Cazuza, uma das primeiras vítimas do universo da música, mesmo em nível mundial, a tombar em consequência da AIDS. Em um carreira relativamente curta - cerca de sete anos registrados em disco divididos entre o período em que cantou no Barão Vermelho e a carreira solo iniciada em 1985, o cantor deixou sua marca de forma definitiva na cultura nacional e sua ausência continua sendo sentida.

A maior razão para isso talvez seja porque a obra de dele soe incompleta. Ao contrário de muitos artistas que nos deixam antes do tempo, mas que partem deixando a sensação de tarefa cumprida, quando pensamos na obra Cazuza é impossível não pensar que ele provavelmente encontraria a sua voz definitiva na maturidade. Isso porque o cantor sempre trafegou entre o rock e a MPB em uma época onde isso além de não ser muito comum também não era visto com bons olhos. Exatamento o tipo de pensamento que foi sendo abolido a partir da década de 90.

Os discos de Cazuza sempre sofreram um pouco por causa dessa mentalidade e também com problemas de produção. Não a toa o melhor disco para se entender o alcance dele seja o ao vivo "O Tempo Não Para" (que vergonhosamente nunca foi relançado em uma edição especial com o show completo), onde as canções ganham em fôlego o que só aumenta o impacto do texto.

Barão Vermelho
Agenor de Miranda Araújo Neto nasceu em 1958. Filho do diretor da Som Livre João Araújo cresceu em um ambiente cercado de música e cultura. No início dos anos 80 entrou para o Barão Vermelho e a banda começou a chamar a atenção por onde passava, culminando com elogios declarados de nomes como Caetano Veloso e Ney Matogrosso, o que forçou seu pai a assinar contrato com a banda apesar dos temores que ele tinha de acusações de nepotismo.

Flávio ColkerCazuza letras
Os dois primeiros discos do grupo não fizeram sucesso, mas dali saíram canções que futuramente se tornaram clássicas como Todo Amor Que Houver Nessa Vida, Ponto Fraco Down Em Mim e principalmente Pro Dia Nascer Feliz, que se tornou um grande sucesso na voz de Ney Matogrosso.

O sucesso mesmo veio com "Menor Abandonado", o terceiro disco que colocou a banda como um dos melhores nomes da primeira metade dos anos 80 com Blitz, Lulu Santos, Kid Abelha e os Paralamas do Sucesso. Todos esses grupos tocaram no primeiro Rock In Rio, e o do Barão foi um dos mais marcantes de todo o festival, principalmente por eles terem tocado no dia da eleição de Tancredo Neves, que marcou o fim de vinte anos de regime militar. A imagem de Cazuza dedicando Pro Dia Nascer Feliz ao novo país que estava nascendo é uma das mais marcantes de todo o rock nacional.
Quando tudo indicava que o Barão se tornaria a maior banda do país, veio o choque com a notícia de que se vocalista estava partindo pra carreira solo. Apesar da estreia solo ter feito certo sucesso, foi desse disco que saíram Exagerado e Codinome Beija-Flor o momento foi um tanto perdido e o cenário começou a ser tomado por outras bandas como Ultraje a Rigor, RPM e a Legião Urbana.

Incerteza e renascimento

Cazuza
Cazuza Cazuza, o segundo da esquerda, na época do Barão Vermelho
O ano de ouro do rock brasileiro, 1986, com quase todas bandas lançando trabalhos que se tornaram clássicos além de terem vendido muito, não viu nenhum lançamento de Cazuza que só lançou seu segundo disco solo no ano seguinte já em nova gravadora e sem muito sucesso. Foi nesse ano que a AIDS, que ele provavelmente contraiu em 1985, começou a se manifestar. A princípio ele negou a doença. Ele só foi assumir publicamente a condição de soropositivo em 1989.

O trabalho seguinte seria o mais forte de sua carreira do ponto de vista lírico. "Ideologia" simboliza bem o que era o Brasil do fim dos anos 80, com Sarney, inflação gigantesca e um clima de decepção que raramente se viu desde então. Com os rumores da doença cada vez maiores, Cazuza voltou à mídia também por motivos extra-musicais.

Cazuza letrasAniversário de Cazuza de 28 anos na casa de seus pais em Ipanema.
A turnê do disco, que rendeu o já citado "O Tempo Não Para", foi uma das mais celebradas de 1988. No ano seguinte já visivelmente debilitado pela doença, Cazuza deu início ao que seria a fase final de sua vida. Em abril de 1989 ele apareceu na capa da VEJA onde uma foto do artista muito abatido veio acompanhada da chamada "Uma Vítima da AIDS agoniza em praça pública", para horror do artista que fez as eguinte declaração meses depois: "Tive vontade de vomitar quando vi aquela capa da Veja. Acabei tendo um problema cardíaco e por isso passei o dia numa cadeira de rodas".
Mesmo com a doença cobrando seu preço, Cazuza continuou trabalhando no que seria seu último disco lançado em vida "Burguesia". O disco duplo não foi bem recebido pela crítica, que o achou um tanto indulgente e também não vendeu muito, até porque foi lançado em um dos piores períodos econômicos da nossa história recente.

Os últimos momentos
Cazuza
Cazuza A polêmica capa da Veja
A partir daí todos sabiam que era só uma questão de tempo até ele nos deixar. Dia sim, dia não alguém soltava o boato até que no dia 07 de julho de 1990 o rumor acabou confirmado.

Desde então a obra de Cazuza passou por períodos de alta e baixa, mas seu talento de letrista e o carisma que emanava nunca foram questionados. De tempos em tempos algum lançamento surge para colocá-lo novamente em voga, como o livro escrito por sua mãe, "Só As Mães São Felizes" de 1997 ou o belo filme de Sandra Werneck "Cazuza - O Tempo Não Para" de 2004. E hoje, vinte anos depois, percebemos como ele foi importante e como radiografou tão bem um período tão rico e conturbado do nosso país.

Ezequiel Neves - 1935 - 2010
Cazuza
Cazuza Com Ezequiel Neves, o parceiro e amigo que se foi exatos vinte anos depois (Foto: divulgação)
Enquanto esse texto era escrito recebemos a notícia da morte de Ezequiel Neves. Para quem não sabe, Ezequiel foi um dos maiores nomes do jornalismo cultural nos anos 70 e 80. Foi ele quem praticamente obrigou João Araújo a assinar contrato com o Barão Vermelho e sempre esteve ao lado de todos eles, mesmo nos momentos mais complicados, como quando o vocalista deixou a banda e ele deixou claro que não iria tomar partido de nenhum lado. A amizade também gerou frutos artísticos. Ezequiel é um dos autores de dois dos maiores sucessos de Cazuza: Exagerado e Codinome Beija-Flor. Um de seus últimos trabalhos foi justamente a coautoria da biografia do Barão "Por Que a Gente é Assim". A ele também deixamos a nossa homenagem.

Playlist: Cazuza no Meu Vagalume

Ouça, veja os vídeos e confira as letras da playlist de Cazuza no Meu Vagalume.