Arlindo Cruz

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É como um ciclo: de tempos em tempos certas figuras emergem das profundezas dos terreiros de subúrbio e das quadras das escolas para fazer o samba renascer, recolocar-se no mercado musical e na sociedade como um todo. Candeia, nos anos 1950, foi uma dessas figuras, emersa dos terreiros da Portela, em Oswaldo Cruz, para elevar o nível artístico do samba (sobretudo as letras) sem perda de essência, e dar-lhe a consciência de seu papel político e cultural. Na década seguinte seria Martinho da Vila a transformar o partido-alto em moeda corrente e tornar o samba definitivamente parte da cultura pop brasileira, presente nas rádios, na TV, nas grandes audiências, também sem perda da tal essência.

Da Madureira do Império Serrano e do Pagode do Arlindo , das rodas de partido-alto de quartas à noite e domingos à tarde na quadra do bloco carnavalesco Cacique de Ramos, Arlindo Cruz prossegue essa linhagem já lá se vão 30 anos. O DVD e CD duplo ?Arlindo Cruz MTV Ao Vivo? (Deckdisc) é, para além da celebração de uma obra, a consagração, como cantor, desse compositor que discretamente mudou a cara do samba nas últimas décadas. E mudou a cara preservando a essência, recolocando o samba no rádio, popularizando as rodas de samba, incentivando a rapaziada mais nova a ficar no samba, abrindo diálogos com a chamada MPB (quem Maria Rita procurou quando quis fazer seu disco de samba?) e com outros gêneros (como o hip hop de Marcelo D2, aqui presente), compondo muito e bonito para tudo quanto é cantor ou grupo novo, cultivando todos os gêneros, do partido-alto ao samba-enredo, do samba romântico ao de fundo social. Arlindo fez, nesses 30 anos, um discreto trabalho cultural que este novo projeto resume e evidencia.

Como Candeia e Martinho, Arlindo também cultiva fundamentalmente o partido-alto, apelidado hoje em dia de pagode, gênero-mãe do samba e gênero central em sua obra. Senão, ouçam o desfilar de partidos que abre essa gravação ao vivo no Citibank Hall de São Paulo: ?Casal sem vergonha? (em citação instrumental), ?Malandro sou eu?, ?Camarão que dorme a onda leva?, ?SPC?, ?Bagaço da laranja?, ?Da melhor qualidade?, tudo gestado na quadra do Cacique, todos sucessos intensos Brasil afora nas vozes de Fundo de Quintal (grupo do qual Arlindo fez parte), da madrinha Beth Carvalho, a que primeiro notou o talento de Arlindo, e sobretudo do parceiro Zeca Pagodinho. É com a participação de Zeca, aliás, a música inédita feita pelos dois, ?Vê se não demora?, ?um partido-alto, é claro?, como diz Arlindo antes de começar a versar. Trata-se de um clássico instantâneo do gênero (?Não é uma obra-prima, mas é uma bela canção/Até caprichei na rima pra alegrar seu coração?, define Zeca num daqueles seus versos certeiros) que vagabundo vai certamente cantar adoidado nas centenas de rodas de samba que brotam país afora, influenciadas por quem? Arlindo, Zeca e companhia. Pensem na importância cultural disso aí...

Como Candeia e Martinho, Arlindo também é mestre no samba elegante, de meio de ano, romântico. Ouça, só para citar um punhado, a nova ?Bom aprendiz? (parceria com o filho Arlindo Neto), o velho sucesso ?Fora de ocasião?, ?Saudade louca? (com participação da madrinha Beth Carvalho) ou ?Não dá?, nova parceria com o grande Wilson das Neves, confrade de Arlindo no Império Serrano.

Como Candeia e Martinho, Arlindo também é mestre no samba elegante, de meio de ano, romântico. Ouça, só para citar um punhado, a nova ?Bom aprendiz? (parceria com o filho Arlindo Neto), o velho sucesso ?Fora de ocasião?, ?Saudade louca? (com participação da madrinha Beth Carvalho) ou ?Não dá?, nova parceria com o grande Wilson das Neves, confrade de Arlindo no Império Serrano.

Como Candeia e Martinho, Arlindo também é notável e notório compositor de sambas-enredo. Canta aqui ?Império do divino?, do carnaval de 2006, um dos tantos seus com que a Serrinha desfilou na Marquês de Sapucaí, e seguramente o melhor samba-enredo do carnaval carioca desde o célebre Kizomba, em 1988. Notem a emocionante introdução feita por agogôs, em homenagem à característica da bateria ?sinfônica? do Império, comandada por Mestre Átila. Canta também, acompanhado do filho e herdeiro musical Arlindo Neto, o samba-enredo mais popular de todos os tempos, ?Aquarela brasileira? (do carnaval de 1964), do mestre do gênero, o também imperiano Silas de Oliveira. Sutilmente, contudo, antes de celebrar Silas, Arlindo homenageia dois imperianos que de fato formaram sua cabeça musical, o falecido Beto Sem Braço, grande ídolo de toda geração Cacique de Ramos, e Aluizio Machado, baluarte vivíssimo, parceiro de Arlindo em ?Império do divino?.

Como Candeia e Martinho, Arlindo também compôs hinos do samba. É o caso de ?O show tem que continuar?, com a qual homenageia Luiz Carlos da Vila, seu parceiro recém-falecido, o gênio da geração Cacique de Ramos, vê-se por essa letra o porquê.

Como Candeia e Martinho, Arlindo está atento às influências de seu tempo. Tanto que encara o hip hop de Marcelo D2 (que improvisa sobre o samba ?Mão fina?), o rapper que tanto se influencia pelo samba, nitidamente alargando o seu público e a abrangência estética de sua música.

Como Candeia e Martinho, Arlindo é compositor profissional, daqueles de fornecer música e sucesso para o cantores. O público do Citibank Hall em côro cantando com ele ?O que é o amor?, sucesso recente de Maria Rita, é a emocionante prova da presença e da importância do compositor Arlindo Cruz na música popular brasileira contemporânea.

Dentre tantas semelhanças com os mestres Candeia e Martinho, uma diferença chama a atenção e talvez caracterize a música de Arlindo. Ao contrário dos dois, Arlindo é músico profissional, exímio nas cordas dedilhadas, sobretudo cavaquinho e banjo. Se não fosse compositor e cantor, poderia viver disso. Suas composições, sempre com interessantes soluções harmônicas e melodias trabalhadas, revelam que foram feitas por um músico (o que no samba, cheio de compositores mais intuitivos que técnicos, é um curioso diferencial). Portanto é significativa a abertura no show que dá ao flautista e saxofonista Dirceu Leite, de tocar instrumental o lindo samba canção ?Ainda é tempo pra ser feliz?, sucesso no dueto Zeca Pagodinho e Beth Carvalho, aqui apresentado cheio de curvas e improvisos. Dirceu, aliás, tem um disco pronto, a sair, com versões instrumentais para clássicos da geração Cacique de Ramos, muitos dos quais de Arlindo.

Mas de novo, como a Candeia e a Martinho, a Arlindo interessa prosseguir na evolução do samba, esse ?Velho malandro de corpo fechado?, sensacional samba-definição de Arlindo Cruz e Franco. Na verdade, o que Arlindo faz sempre em CD, show ou DVD é recriar eternamente aquelas tardes no Cacique de Ramos ou na quadra do Império, é fazer samba com a naturalidade da vida.

Hugo Sukman

Fonte: Myspace.com/arlindocruz